Terra em Trânsito – uma alusão ao isolamento social.

 

            Durante a pandemia muitas obras teatrais foram adaptadas do palco para o audiovisual, algumas delas não só gravaram as produções assim como eram, mas se apropriaram dos recursos audiovisuais, trazendo elementos que favorecem e dialogam com a intenção dos trabalhos elaborados e/ou adaptados. Terra em Trânsito bebeu dessa ideia, trazendo uma nova perspectiva do texto original de 2006, de Gerald Thomas, adaptando não só o visual, mas atualizando o texto para o contexto atual, ainda com o mesmo elenco.

            Terra em trânsito serve a insanidade de uma atriz solista em seu camarim, se preparando para entrar no palco, e é durante esse momento de preparação e aquecimento, enquanto aguarda os três sinos tocarem que a personagem, sem nome, conversa com um cisne judeu (que ganha voz com o ator Marcos Azevedo) e com o espelho, que se dá ao enquadramento da câmera. A atriz Fabiana Gugli, em meio a sua loucura, traz questões políticas e sociais, fazendo menção os últimos acontecimentos de maneira indireta, como por exemplo ao trazer o termo Black Lives Matter e em meio as falas alucinadas, abordando o racismo.

            Um ponto interessante do uso de recursos nessa adaptação, foi a utilização de um enquadramento único, dando a impressão que a atriz está dialogando com um espelho, trazendo um jogo de imagem com outro espelho que está disposto ao fundo, dando outra perspectiva da cena, mas sem entregar com o que ela dialoga. A imagem formada também reforça a sensação se claustrofobia e isolamento que a cena apresenta, tanto por uma certa limitação da imagem (que mostra apenas um recorte), quanto pelo jogo da atriz com a câmera, que muitas vezes torna um tanto intimista quando ela se aproxima e “olha nos olhos” do expectador.

            No camarim, está disposto a mesa um pote de vidro cheio de balinhas de goma, dando alusão a serem pílulas, em que a atriz toma durante toda a cena, tornando o intervalo cada vez menor e a cada uma intensificando a insanidade da personagem. É interessante como um recurso simples pode costurar a cena, e ao mesmo tempo “dar um respiro” durante as falas intensas e desconexas. A atriz faz um mesmo movimento alternado a cada vez que ela toma, reforçando a ideia de pílula e trazendo trejeitos característicos da personagem.

            A adaptação dessa montagem se tornou pontual no contexto em que estamos, ainda que agora a uma maior flexibilização, a pandemia ainda se faz presente e inconstante com o surgimento de novas variantes. A fato da cena acontecer em um único espaço, e trazer justamente a sensação de estar preso, isolado e impedido de algo é de grande conexão com o isolamento social provocado pela pandemia, e que de certa forma nos deixou também ensandecidos e perturbados com a politica dentre outros fatores.

            A loucura se desfecha com o terceiro sino, e a personagem percebe que está trancada no camarim, intensificando sua insanidade, ela escuta aplausos e outra voz dando início ao que ela apresentaria, fortalecendo a ideia de um looping mental e de clausura. 

 

Link da peça: https://www.youtube.com/channel/UCZzPxjTozlmWfC9EAUEcong



 Acadêmica: Bárbara Sanches Marques (Artes Cênicas UEM)

Maringá, 10 de Dezembro de 2021

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